quarta-feira, 21 de abril de 2010

Metamorfose

Acontece que me encontro diferente. Como se dormisse em mim e acordasse em outro alguém. Encontro uma peça estranha, que não estava na embalagem mas que devo encaixar em algum lugar. E não tem manual de instruções, não! E todo o mundo pensa que sou eu, porque está em mim, mas eu sei que não sou. Sei que JAMAIS faria isso e começo a achar que talvez tenha sido abduzida, não sei... E começo a pensar numa forma de tirar o intruso de mim, de dar um fim... Mas chega uma hora que não tem mais jeito, o parasita já se instalou aqui dentro e quando percebo, já ando, falo, sorrio, escrevo de outro jeito. Diferente, sabe? Diferente da época da escola, dizem os amigos. Diferente de quando era criança, diz mamãe. Diferente de como eu te conheci, diz ele. Mas ainda sou eu, juro! Ainda sinto-me eu. São apenas reparações internas, não me leve a mal. Só retirei alguns parafusos excedentes e coloquei o triplo no lugar. Mas ainda sou eu, de uma época diferente, com uma outra idade...
Não me reconhece? Não fomos apresentados?
Ah, sim, desculpe-me!
Prazer, sou a multiplicidade.
— Perdoe-me se eu me apresentar novamente a cada cinco minutos?


Texto velho, até meio bobo, penso hoje.
Publicado no Jornal Literário Plástico Bolha nº 23 - agosto/setembro de 2008

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