quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

nostalgia

"eu quis o perigo
e até sangrei sozinho
entenda:
assim pude trazer você de volta pra mim
quando descobri
que é sempre só você
que me entende do início ao fim
e é só você que tem a cura pro meu vício de insistir
nessa saudade que eu sinto
de tudo que eu ainda não vi"
(Índios - Renato Russo)

{coisa boa voltar a ouvir Legião depois de tanto tempo
sinto o cheiro, o gosto da adolescência
e as letras ainda me impactam
por vezes com um sentido mudado
por vezes ainda com o mesmo sentido}

segunda-feira, 20 de julho de 2009

complexo de perfeição

"Once I wanted to be the greatest
Two fists of solid rock
With brains that could explain
Any feeling
(...)
Once I wanted to be the greatest
No wind or waterfall could stall me
And then came the rush of the flood
Stars of night turned deep to dust"
(Cat Power)

porque não podia errar, não agiu. estática permaneceu enquanto ele se afastava com as malas. porque qualquer lágrima seria uma prova de fragilidade, ela permaneceu sorrindo. pois certa vez ouviu que o sorriso era o cartão de visita dos vencedores. porque sabia que se dissesse "eu também te amo" ele um dia a machucaria, exatamente como fizeram com sua mãe, irmã e tia. porque não suportava seu cachorro e seu hábito de acordar tarde, não disse nada para que nada no seu mundo perfeito mudasse. porque não aguentaria dividir seu tempo e sua intimidade com um estranho, que apesar de todos esses anos, não passava de um estranho que a supreendia com um gostos bizarros e comentários idiotas, que até então não poderiam vir de um estranho tão inteligente e que ela julgava conhecer tão bem. porque jogar-se num precipício sem enxergar o fundo era coisa pra loucos, e ela é uma pessoa bem normal. porque não queria dividir seu último pedaço de pizza nem abrir mão de ficar sozinha (apenas com um livro) num sábado à noite, não agiu. porque tinha alergia a jóias e bijouterias, uma aliança era algo que não cabia. e agora esse redemoinho no peito e o teto cada vez mais perto e essa vontade de gritar saindo não-sei-de-onde nem por quê. pois agiu tão perfeitamente, foi tudo tão milimetricamente calculado, que agora não conseguia entender o que havia saído errado. por que a visão daquele estranho que tinha um cachorro chato e gostos bizarros se afastando era tão inexplicavelmente dolorosa, como se sua vida não coubesse mais ali, como se o mundo tivesse saído do lugar e ela não tivesse mais pra onde ir? mas porque não podia errar, não agiu. e quase passou desapercebida uma lágrima que ela enxugou logo na nascente, exceto por um ambulante que a observava e deu um sorriso compreensivo, um gesto delicado que dizia algo como "tá tudo bem, pode chorar, é normal..." mais um segundo daquele olhar e ela desabaria. mas porque estava quase atrasada e atrasos são intoleráveis, ela partiu. o estranho seguia em caminho oposto, sem desconfiar que ali batia o que chamavam de coração. um suscetível e imperfeito coração. somente ela, e o ambulante, descobriram o grave segredo naquela tarde na estação.

terça-feira, 14 de julho de 2009

stop motion

ok, a idéia desse blog não era ser tão audiovisual assim, mas é que eu simplesmente tô apaixonada por esse clipe todo feito em stop motion ;-)
a música é uma delícia também.
em se tratando de internet, o clipe nem é novo (início de 2009), mas bem, quem disse que esse blog só tem que ter novidade?
daqui a pouco eu posto Cartola e ninguém tem nada com isso! ;-)



ainda sobre a técnica de stop motion, tem esse outro vídeo soberbo do artista Blu:

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Rio?

dia desses um amigo estrangeiro me falou dum encontro que teve na praia de Copacabana. estava ele parado no calçadão, quando um rapaz se aproximou e puxou papo. no meio da conversa, o rapaz, que veio do interior do Nordeste, disse:
"na minha cidade eu não tinha emprego, nem dinheiro. vim pro Rio de Janeiro achando que as coisas iam mudar. não mudou nada. mas quando eu olho pra esse mar eu não consigo ficar triste"

Vincent Cassel, um francês apaixonado pelo Brasil, deu a seguinte declaração na sua última visita no mês passado:
"Não sou como aquelas pessoas que pensam que 'todo mundo está feliz, todo mundo quer dançar', como diz a música da Xuxa. Mas acho que aqui vocês têm uma mistura de alegria, felicidade e tristeza, sentimentos que estão sempre juntos. É isso que se chama poesia."

eu ainda estou tentando entender essa cidade, e quem sabe, esse país, tão enorme e diverso. mas confesso que nos últimos dias nem a paisagem deslumbrante que observo da Avenida Niemeyer tem aliviado o aperto no peito. o Rio, pra mim, tem se tornado cada vez mais cinzento. e não tô falando do nublado constante, que particulamente me angustia. falo da falta de um horizonte. falo da fila indiana em que caminhamos, empurrando uns aos outros para um precipício na Niemeyer. rezando para encontrar uma raiz no meio da queda, rezando para não cair nas pedras, rezando para que o mar não nos trague.

numa dessas conversas de ônibus, ouvi um menino de uns 3 anos comentar empolgado no colo do pai:
"o mar, papai! olha o mar!"
para em seguida indagar, surpreso, como se fosse o maior absurdo do mundo:
"o mar tá sujo! olha lá, o mar tá sujo! quem sujou o mar, papai?"
e o pai insensato respondeu: "não sei"
deveria ter dito: "foi a gente, meu filho."

sábado, 20 de junho de 2009

sobre dragões

"Só quem já teve um dragão em casa pode saber como essa casa parece deserta depois que ele parte. Dunas, geleiras, estepes. Nunca mais reflexos esverdeados pelos cantos, nem perfume de ervas pelo ar, nunca mais fumaças coloridas ou formas como serpentes espreitando pelas frestas de portas entreabertas. Mais triste: nunca mais nenhuma vontade de ser feliz dentro da gente, mesmo que essa felicidade nos deixe com o coração disparado, mãos úmidas, olhos brilhantes e aquela fome incapaz de engolir qualquer coisa. A não ser o belo, que é de ver, não de mastigar, e por isso mesmo também uma forma de desconforto. No turvo seco de uma casa esvaziada da presença de um dragão, mesmo voltando a comer e a dormir normalmente, como fazem as pessoas banais, você não sabe mais se não seria preferível aquele pantanal de antes, cheio de possibilidades - que não aconteciam, mas que importa? - a esta secura de agora. Quando tudo, sem ele, é nada.

(...)

Os dragões não permanecem. Os dragões são apenas a anunciação de si próprios. Eles se ensaiam eternamente, jamais estréiam. As cortinas não chegam a se abrir para que entrem em cena. Eles se esboçam e se esfumam no ar, não se definem. O aplauso seria insuportável para eles: a confirmação de que sua inadequação é compreendida e aceita e admirada, e portanto - pelo avesso, igual ao direito - incompreendida, rejeitada, desprezada. Os dragões não querem ser aceitos. Eles fogem do paraíso, esse paraíso que nós, as pessoas banais, inventamos - como eu inventava uma beleza de artifícios para esperá-lo e prendê-lo para sempre junto a mim. Os dragões não conhecem o paraíso, onde tudo acontece perfeito e nada dói nem cintila ou ofega, numa eterna monotonia de pacífica falsidade. Seu paraíso é o conflito, nunca a harmonia."

trechos do conto "Os dragões não conhecem o paraíso", do livro homônimo de Caio Fernando Abreu, um virginiano que eu gostaria de ter conhecido.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

pay attention

metaforas são perigosas. o amor pode surgir de uma simples metáfora, disse o sr. Kundera
tá anotado. 

segunda-feira, 4 de maio de 2009

oração de madrugada de segunda-feira

porque eu te sinto mesmo a 99 km de distância e meu corpo pede. que neste prelúdio de segunda-feira a angústia se vá. porque meu corpo pede que eu te sinta mesmo a 99 km de distância. que a madrugada seja breve como deve ser breve esse pesar. porque logo vem o dia e com ele todas as distrações que um dia deve ter. ônibus. telefone. trabalho. cobrador. gente nervosa. menos você. porque logo chega o sol e é dever seguir em frente. sempre em frente. para o Norte e avante. mesmo que o meu corpo te sinta a 99 km ao Sul. mesmo que o teu que o meu corpo peça. que o meu que o teu corpo chegue. peço que o dia acabe. e recomece. e continue. porque não há nada pior do que sentir a concreta ausência nesse instante suspenso entre o pretérito e o talvez. que a madrugada se desfaça, já que o sono até agora não o fez.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

sábado, 11 de abril de 2009

parce que moi je rêve...


se nada der certo, 
eu viro cínico

mas por ora, não

não me diga que o mundo é um moinho
não me mostre as suas sujeiras
não me diga que o amor é uma piada 
de mau gosto

deixe o cinismo para os mais velhos 
ainda somos tão jovens, meu bem

não me venha com desculpas hipócritas
com esse discurso de quem já perdeu tudo
e cultiva apenas amargas memórias

deixe o cinismo para os mais velhos 

meu bem, 
será que não vê o infinito nas linhas das mãos?
não notou a eternidade nos nossos joelhos?
e a verdade silenciosa que habita no sexo?

venha, deite aqui
deixe o cinismo para depois 
para o amanhã que nunca chega
para quando tudo for saudade

deite
fique
que o agora é só presença
e o sonho é um beija-flor que não se cansa

sobre a solidão e seu remédio

Lonely Girl - Tara McPherson

"Como seria preferível entender que somos sempre solidão e partir desta verdade" 
(Rilke - Carta VIII - 1904 - "Cartas a um jovem poeta")

"O homem é dotado de razão; é a vida consciente de si mesma; tem consciência de si, de seus semelhantes, de seu passado e das possibilidades de seu futuro. Essa consciência de si mesmo como entidade separada, a consciência de seu prórpio e curto período de vida, do fato de haver nascido sem ser por vontade própria e de morrer antes daqueles que ama, ou estes antes dele, a consciência de sua solidão e separação, de sua impotência ante as forças da natureza e da sociedade, tudo isso faz de sua existência apartada e desunida uma prisão insuportável. Ele ficaria louco se não pudesse libertar-se de tal prisão e alcançar os homens, unir-se de uma forma ou de outra com eles, com o mundo exterior"
(...)
"O primeiro passo a dar é tornar-se consciente de que o amor é uma arte, assim como viver é uma arte; se quisermos aprender como se ama, devemos proceder do mesmo modo por que agiríamos se quiséssemos aprender qualquer outra arte, seja a música, a pintura, a carpintaria, ou arte da medicina ou da engenharia"
(Erich Fromm - "A Arte de Amar" - 1988)

"Toda aprendizagem é uma época de clausura. Assim, para o que ama, durante muito tempo e até durante a vida, o amor é apenas solidão, solidão cada vez mais intensa e profunda. O amor não consiste em uma criatura se entregar, se unir a outra logo que se dá o encontro. (Que seria a união de dois seres ainda vagos, inacabados e dependentes?) O amor é a oportunidade única de sazonar, de adquirir forma, de nos tornarmos um universo para o ser amado"
(...)
"Este será o amor que, combatendo duramente, agora preparamos: duas solidões que se protegem, se completam, se limitam e se inclinam uma para a outra"
(Rilke - Carta VII - 1904 - "Cartas a um jovem poeta")


Comecei a ler A Arte de Amar enquanto lia Cartas a um jovem poeta. Incrível como os dois dialogam. E como já pensei nisso tudo (assim como todo mundo), mas nunca consegui escrever tão bem. A dica de A Arte de Amar foi do querido muminha

domingo, 22 de fevereiro de 2009

quase-alvorada

caminhando para o ponto, deixamos o chão e nos voltamos para o céu. e por que não o fizemos antes? que visão! a lua, esplêndida, tão próxima, nos mostrava suas marcas. o calendário dizia que era noite de crescente, mas ela estava incrivelmente cheia, sorrindo para nós. à princípio, alguém viu nos seus traços a forma de um coelho, mas logo enxergamos claramente olhos, nariz e boca. era a lua de Georges Méliès sorrindo e piscando para nós. a lua do mago nos lembrando que vida e arte não passam de beleza e ilusão. foi mágico ver aquela luazona olhando para nós. era tão perfeita que parecia de mentira. parecia que alguém a tinha pintado ali. e a qualquer momento descobriríamos em outro canto do céu a lua verdadeira, branca e distante, a desmascarar aquela impostora amarela, lindamente amarela, tão cheia de si, exibindo-se para nós. despedindo-se de nós.
eu só queria uma câmera para registrar aquele momento. mas será que a lente enxergaria a mesma lua que eu?