segunda-feira, 20 de julho de 2009

complexo de perfeição

"Once I wanted to be the greatest
Two fists of solid rock
With brains that could explain
Any feeling
(...)
Once I wanted to be the greatest
No wind or waterfall could stall me
And then came the rush of the flood
Stars of night turned deep to dust"
(Cat Power)

porque não podia errar, não agiu. estática permaneceu enquanto ele se afastava com as malas. porque qualquer lágrima seria uma prova de fragilidade, ela permaneceu sorrindo. pois certa vez ouviu que o sorriso era o cartão de visita dos vencedores. porque sabia que se dissesse "eu também te amo" ele um dia a machucaria, exatamente como fizeram com sua mãe, irmã e tia. porque não suportava seu cachorro e seu hábito de acordar tarde, não disse nada para que nada no seu mundo perfeito mudasse. porque não aguentaria dividir seu tempo e sua intimidade com um estranho, que apesar de todos esses anos, não passava de um estranho que a supreendia com um gostos bizarros e comentários idiotas, que até então não poderiam vir de um estranho tão inteligente e que ela julgava conhecer tão bem. porque jogar-se num precipício sem enxergar o fundo era coisa pra loucos, e ela é uma pessoa bem normal. porque não queria dividir seu último pedaço de pizza nem abrir mão de ficar sozinha (apenas com um livro) num sábado à noite, não agiu. porque tinha alergia a jóias e bijouterias, uma aliança era algo que não cabia. e agora esse redemoinho no peito e o teto cada vez mais perto e essa vontade de gritar saindo não-sei-de-onde nem por quê. pois agiu tão perfeitamente, foi tudo tão milimetricamente calculado, que agora não conseguia entender o que havia saído errado. por que a visão daquele estranho que tinha um cachorro chato e gostos bizarros se afastando era tão inexplicavelmente dolorosa, como se sua vida não coubesse mais ali, como se o mundo tivesse saído do lugar e ela não tivesse mais pra onde ir? mas porque não podia errar, não agiu. e quase passou desapercebida uma lágrima que ela enxugou logo na nascente, exceto por um ambulante que a observava e deu um sorriso compreensivo, um gesto delicado que dizia algo como "tá tudo bem, pode chorar, é normal..." mais um segundo daquele olhar e ela desabaria. mas porque estava quase atrasada e atrasos são intoleráveis, ela partiu. o estranho seguia em caminho oposto, sem desconfiar que ali batia o que chamavam de coração. um suscetível e imperfeito coração. somente ela, e o ambulante, descobriram o grave segredo naquela tarde na estação.

2 comentários:

  1. Olá Manu..
    Seu blog é lindo. Você é uma pessoa surpreendente.
    Acho que vai curtir a oficina de contos.
    Bjs,

    Alê Barreto

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  2. adorei! sensivel como vc. não pare de escrever, por nós ;) bjs

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